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Fundos DI...os sacos de pancada de 2020, mas muito para se aprender com eles

Foto do escritor: Ricardo RochmanRicardo Rochman

Os fundos DI são aqueles fundos de "money market" que usamos para aplicações de curto prazo com alta liquidez e baixíssimo risco, para reservas de emergência, por exemplo. No entanto, 2020 foi o ano escolhido para se bater (espancar!) sem dó nem compaixão nos fundos DI, por diversas razões que vamos discutir aqui.


Antes vamos entender o que se coloca nas carteiras dos fundos DI, que são ativos ou títulos que provêem para o investidor um certo percentual da taxa DI (ou "similar" como a taxa SELIC), ou seja, vamos encontrar LFTs (títulos públicos também conhecidos como Tesouro SELIC), CDBs que remuneram por exemplo 95% da taxa DI, debêntures emitidas por empresas que pagam 105% da taxa DI, e assim por diante.


Então a partir das estratégias dos gestores, e políticas de investimento dos fundos, encontramos nas carteiras dos fundos DI com mais ou menos concentração risco de mercado (como a variação da taxa SELIC) e risco de crédito (chance de inadimplência por causa dos títulos privados, como os CDBs, debêntures, etc.). Aliás, os CDBs, debêntures e outros títulos de crédito emitidos por empresas são chamados títulos de crédito privado.


Outro conceito importante é a marcação ao mercado, que é um procedimento realizado pelos fundos de investimento para ajustar o valor do seu patrimônio líquido diariamente de tal forma que este reflita seu valor atualizado de mercado (ao invés do valor contábil), ou seja, se todos investidores resgatarem ao mesmo tempo seus recursos aplicados no fundo então receberão o valor divulgado do patrimônio líquido. A marcação ao mercado é fundamental para que não haja cotistas do fundo que se beneficiem em detrimento de outros cotistas.


Em 2020 os dois riscos apareceram com todo seu esplendor nos fundos DI, pela ordem, em primeiro lugar o risco de crédito em março, e o risco de mercado em setembro. O risco de crédito mostrou sua cara devido a pandemia da COVID-19 e lockdown em março, em decorrência da marcação ao mercado. Afinal, o aumento do risco de inadimplência das empresas fez com que os títulos de crédito privado tivessem os preços reduzidos, e os fundos DI (dentre outros) contendo esse títulos tiveram suas cotas perdendo valor.


É de se esperar que fundos DI (por característica da taxa DI) rendam todo dia um jurinhos, e que poucos deles tenham perdas (em outras palavras eles são de baixa volatilidade e risco). No gráfico a seguir vemos, que de uma amostra de 363 fundos DI, de julho de 2018 a setembro de 2020 na maior parte do tempo menos de 1% dos fundos da amostra tiveram meses com retorno negativo (prejuízo), o que é esperado. Os meses que tivemos grandes distorções foram justamente março com 31,1% dos fundos DI com prejuízo no mês, e setembro com 42,7% dos fundos com prejuízo no mês.



Do gráfico acima aprendemos que nos meses de março e setembro de 2020 algo de estranho aconteceu, e vamos entender o que ocorreu. Primeiramente, dividi os fundos da amostra em 4 categorias: (a) os que tiveram perdas nos meses de março e setembro; (b) os que tiveram perdas no mês de março mas não em setembro; (c) os que tiveram perdas em setembro mas não em março, e (d) os que não tiveram perdas nem em março nem em setembro.


A CVM pela instrução 555 (http://www.cvm.gov.br/legislacao/instrucoes/inst555.html) determina que os fundos com 50% ou mais de títulos de crédito privado devem ter no seu nome a designação "Crédito Privado". Em segundo lugar, calculei quais fundos DI com designação "Crédito Privado" tiveram perdas (na amostra de 363 fundos havia 61 com crédito privado no nome). O gráfico a seguir mostra claramente que as perdas de março foram relacionadas ao aumento do risco de crédito, pois 57,4% (50,8%+6,6%) dos fundos DI crédito privado tiveram prejuízo no mês de março. Também outros fundos DI com menos de 50% de crédito privado também tiveram perdas por causa do aumento de risco de crédito.



O que aconteceu em setembro? Devido a pandemia o Ministério da Economia, via COPOM, decidiu reduzir a taxa SELIC, que serve como referência para o sistema financeiro, para o nível de 2% ao ano. Isto foi feito pela crença que uma taxa tão baixa criaria estímulo para os empreendedores e empresários investirem, e para diminuir o custo de financiamento para as empresas sobreviverem à crise.


Não era necessário reduzir a SELIC para fornecer linhas de crédito subsidiado para empresas, mas ajudou os bancos a reduzirem seu custo de captação, afinal os CDBs (por exemplo) costumam ser indexados a taxa DI, e se a taxa SELIC cai a taxa DI também cai.


Mas com uma taxa SELIC tão baixa os investidores fizeram revisão das suas carteiras, e resgataram parte considerável dos seus recursos aplicados em fundos DI e aplicaram em alternativas, como, por exemplo, ações, fundos de ações ou multimercados, dentre outros com maior expectativa de ganhos.


Os fundos DI estão lotados de títulos como o Tesouro SELIC (nome fantasia das LFTs), ao colocar a taxa SELIC em 2% a.a. o COPOM praticamente "matou" uma forma de financiamento da dívida pública usada pelo Tesouro Nacional, pois o interesse do mercado pelas LFTs acabou.


Alguém agora poderia dizer, mas nos Estados Unidos o FED reduziu a taxa de juros para 0,25% ao ano e o mercado continua comprando os títulos do tesouro americano, a resposta é: o mundo todo confia e continua confiando nos EUA e seus títulos, mas isto não é verdade quando o assunto é a economia brasileira.


Quem consultar no Google Trends o termo "teto de gastos" (https://trends.google.com/trends/explore?q=teto%20de%20gastos&geo=BR) verá que no período de 9-15 de agosto o interesse pelo termo atingiu seu maior valor, e a partir desse período o interesse continua firme e forte. O Governo mostrou sinais que poderia furar o teto de gastos no futuro, algo preocupante ainda mais em economia em crise e um déficit público enorme.


Então o mercado financeiro começou a partir de setembro a considerar (apreçar ou precificar) o risco de falta de controle das contas do Governo, o risco fiscal, e por isso iniciou a cobrança de um spread (taxa) maior dos títulos públicos, em especial das LFTs, como se pode ver no gráfico a seguir. Além disso, o Tesouro Nacional tem tido dificuldade de vender novas LFTs pela taxa baixa com que são oferecidos, que faz com que ele tenha que substituir por títulos que pagam taxas mais altas.



O spread cobrado pelo mercado das LFTs, que era antes na faixa de 0,01% a 0,03% ao ano sobre a SELIC, considerando a LFT de vencimento 01/03/2023 (similarmente às demais LFTs), vem crescendo exponencialmente desde início de setembro/2020, atingindo 0,33% a.a. sobre a SELIC em 06/10/2020, ou seja, aproximadamente 11 vezes maior. Se o spread cobrado pelo mercado sobe então o preço da LFT cai, consequentemente também é reduzido o valor das cotas dos fundos DI (cheios de LFTs), e daí vem as perdas dos cotistas no mês de setembro.


Então os fundos DI estão sofrendo parte pelo risco de inadimplência das empresas pela crise econômica criada pela pandemia, e parte por problema de gestão dos gastos públicos e uma taxa SELIC artificial que não espelha o risco que os compradores de títulos públicos precisam assumir.


Não tem jeito, o Governo terá que mostrar sinais de responsabilidade e comprometimento com as contas públicas, e uma alta de taxas de juros (que já está presente) virá no futuro, vá se preparando!


Vamos aprender que mesmo no caso de fundos DI é preciso conhecer o que o gestor do fundo pode colocar na carteira do fundo, pois maior ou menor concentração de títulos de crédito privado ou públicos vai resultar em mais ou menos riscos assumidos.


Finalmente, para pensar, me chama atenção os fundos DI que não tiveram perdas nem em março nem em setembro (33% aproximadamente da amostra), será que estão fazendo a marcação ao mercado de forma apropriada? O que eles terão na carteira? Fique de olho!




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