Em finanças costumamos dizer que ter dívida é bom, a principal razão para esta afirmação é que o endividamento reduz o custo de capital da empresa, e se espera que a empresa use os recursos da dívida contraída para investimentos que irão gerar rendimentos futuramente.
No caso das famílias o raciocínio acima não funciona, pois as dívidas contraídas são usadas para bens como televisão, geladeira, carro, casa na praia, dentre outros que NÃO irão fornecer novos rendimentos, mas aumentarão os gastos das famílias, afinal geladeira, carro, casa na praia, e demais bens consumirão energia elétrica, água, pagarão impostos (ex. IPVA, IPTU, etc.), além é claro das parcelas das dívidas.
O endividamento pode levar ao estresse financeiro, que por sua vez afeta negativamente a relação familiar, e conforme pesquisa que realizamos ("Os Efeitos do Estresse Financeiro no Ambiente de Trabalho Brasileiro" de Fabio Souza, Ricardo Rochman e William Eir Jr, que pode ser lida em https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace;/handle/10438/18466) afeta o desempenho no trabalho. Como o desempenho no trabalho piora, o estresse financeiro pode levar à demissão e consequentemente a situação financeira, e o estresse causado por ela, pioram. Por isso o endividamento das famílias é preocupante.
Ao analisar as séries de dados do Banco Central do Brasil sobre "Endividamento das famílias com o Sistema Financeiro Nacional em relação à renda acumulada dos últimos doze meses" (séries 19882 e 20400 em https://dadosabertos.bcb.gov.br/), podemos dividir o endividamento em 4 fases (na verdade seriam 5, vou explicar adiante):
2005 a 2008: aumento do endividamento geral devido uma fase de crescimento constante do PIB no período (pode ser visto em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=pib#evolucao-taxa).
2009 a 2013: crescimento maior do endividamento relacionado com aquisição de imóveis devido a programas do governo (ex. Minha Casa, Minha Vida de 2009), e retomada do setor imobiliário.
2014 a 2017: redução do endividamento em geral por causa da recessão que teve seu pior resultado em 2016, as famílias tiveram que "apertar o cinto".
2018 a 2020: retomada do aumento do endividamento geral.
O gráfico a seguir mostra o comportamento do endividamento das famílias e as 4 fases.
A última fase precisa ser segregada em duas. De 2018 a 2019 o PIB retomou seu crescimento, o crescimento das dívidas veio pelo aumento do consumo das famílias. Já em 2020 por causa da pandemia o aumento do endividamento veio pela queda na renda das famílias.
O indicador usado pelo Banco Central divide o endividamento pela renda das famílias, a crise resultante do novo Coronavírus fez a massa salarial do Brasil cair fortemente. O indicador de massa salarial da indústria, conforme dados da CNI, em maio de 2020 é inferior ao de janeiro de 2006. Os dados do IBGE (PNAD) sobre a massa de rendimento de todos trabalhadores mostram que o resultado nominal de maio de 2020 é inferior ao de maio de 2019, e em termos reais (que expurga a inflação) é inferior ao de abril de 2018. Para piorar o cenário, o percentual de famílias com dívidas aumentou para 67,1% em junho de 2020 atingindo seu maior valor na série histórica, conforme "Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor" do CNC. A título de comparação, a média do percentual de famílias com dívidas de 2010 a 2019 foi de 61%.
Em outras palavras, as famílias estão mais endividadas e ganhando menos devido a pandemia, o desemprego aumentou de 11% em dezembro de 2019 para 12,9% em maio de 2020 (https://www.bcb.gov.br/estatisticas/grafico/graficoestatistica/taxadesocupacao), bem como a inadimplência.
Os governos federal, estaduais e municipais e os participantes do mercado financeiro precisam auxiliar a população, pois o aumento do estresse financeiro que advém do endividamento causa graves problemas sociais. As pessoas devem procurar alternativas para refinanciar suas dívidas e gastos, pois existem instrumentos como portabilidade de financiamentos (que podem aproveitar a queda das taxas de juros), cooperativas de crédito, fintechs de crédito, dentre outros, e infelizmente terão que apertar ainda mais o cinto para passar por este período. #divida #endividamento #familia
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